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O ar mais próximo e outras matérias

Waltercio Caldas: surpresa, estranhamento e prazer estético. O vazio como motor da representação.

Fui ver a exposição de Waltercio Caldas, na Pinacoteca do Estado, intitulada “O ar mais próximo e outras matérias”. Não entendo nada de artes plásticas, mas gosto muito, como leigo, de apreciá-las. Se esse tipo de arte dependesse somente de entendedores para admirá-las, os museus estariam quase vazios.

Logo ao entrar na sala fui tomado de um sentimento de surpresa, seguido de estranhamento, acompanhado de um prazer indiferenciado. Seria a vivência da beleza, ali presente, a causadora desse sentimento? A arte tem o dom de nos botar em contato com o belo. E belo não quer dizer bonito ou feio. É o resultado de uma experiência estética única, que pode inverter conceitos, alterar realidades ou subverter a ordem estabelecida.

Waltercio nos oferece objetos extremamente leves, pontuados, em menor escala, com outros de maior peso e densidade, como pedra ou granito, preenchidos de vazio -muito vazio- transparência, brilho de metal fino, imagens espelhadas, consistências de água.

Não há como se mostrar insensível àquilo. Somos tomados de um sentimento de difícil definição. Sua obra respira, flutua, movimenta-se, ainda que parada. Fala, em silêncio, pela forma, pela textura dos objetos. Parece nos fazer perguntas sem querer respostas . A meu ver, é essa a intenção desse artista: levar-nos para aquele lugar em que só habita o sensorial, onde ainda não há representação, ou, se há, é apenas um indício dela.

Mas a mente humana, na sua complexidade, é profícua e carece de dar sentido às coisas.

Diante do impacto, comecei a querer decifrar aquelas sensações, movido por um desconforto e um prazer um tanto sutis. O que queria aquele artista nos dizer? Parece que nos oferecia um espaço potencial para a nossa própria criação, convidando-nos a usufruir daquele estado onde nada ainda foi criado. Mas aí se instaura um paradoxo: uma criação falando do espaço onde ainda nada foi criado. Talvez nos revele o vazio como motor da criação ao nos colocar em contato com presença e ausência, peso e leveza, solidez e transparência, rarefação e matéria dura. Ao deparar com sua obra somos levados a criar pontes entre esses opostos, como que a preencher um vácuo. Instaura-se, concomitantemente, uma demanda por síntese.

Comecei a pensar no que diferenciaria o objeto de arte de outros objetos. Uma das possibilidades é ele ter a condição de não utilitário. É algo apenas para ser observado, sentido, e não usado, pelo menos não no sentido corriqueiro. O objeto de arte nos leva a vivenciar aquele momento infantil onde olhamos para as coisas não pelo que nelas há de útil, mas de instigante, diferente, inusitado. Onde ainda não há saturação de sentidos.

Ao caminhar pelo espaço da Pinacoteca me veio a lembrança do caminhar por um Shopping.

Adoro Shoppings, ver a beleza das vitrines, das cores, as luzes. Mas o que diferencia um Shopping de um espaço como a Pinacoteca? Todos os Shoppings são parecidos e podemos estar em qualquer um deles, que a sensação é a mesma. Em São Paulo, Nova York, Londres ou Paris. Estamos diante do conhecido, espaços preenchidos com objetos decodificados.

Já, na Pinacoteca, a presença do vazio entre as obras expostas, suas amplas salas, mostra-nos que ali não há saturação. É um lugar, onde o tempo todo se constrói e se descontrói. Exposições são montadas e desmontadas. Novos elementos re-significam o ambiente. Não há repetição do mesmo. É um espaço vivo, no sentido de que está sempre se transformando. A arquitetura da Pinacoteca, e a reforma realizada por Paulo Mendes da Rocha, juntamente com Eduardo Colonelli e Welliton Torres, já são uma arte em si. Nesse sentido, as artes plásticas e a arquitetura estão, ali, em pleno diálogo.

Veio-me também a lembrança de um texto de Freud, onde ele relata que uma criança , para tolerar a ausência da mãe, amarra uma linha em um carretel e fica jogando-o para longe e trazendo-o para perto de si, simbolizando a ausência e o retorno dela , aliviando assim, a angústia da separação. Diante da criação de Waltercio, me senti como esse menino, tentando representar a sensação da ausência presente em seus objetos.

Qualquer coisa que se diz não dá conta de sua obra, nem chega perto da experiência de estar diante dela. Saí de lá alimentado, inquieto, com vontade de traduzir em palavras o que estava sentindo. Waltercio nos leva a experimentar o inominável, o não cogniscível, aquele lugar onde já estivemos um dia, mas se perdeu com o processo de civilização.


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